Di José Antônio Bonfilho Zulian, ex- repórter especial do jornal Zero Hora, ex-redator e repórter do jornal o Globo, ex-coordenador de Jornalismo da Rádio Guaíba, coordenador de assessorias de imprensa da área política e empresarial, professor universitário, consultor em marketing e comunicação, é Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O que diferencia a Itália de outros países? Muitas, muitas coisas, é a resposta elementar ou, como diria um político, óbvia. Para o bem ou para o mal, obviamente, complementaria um jornalista presunçoso. Mas existe um aspecto no qual os italianos e as italianas são obsessivamente insuperáveis. Sabor. Sapore. Essa palavra talvez encerre a explicação de milhares de anos de uma pertinaz e insistente busca da população da península pela perfeição. Pelo melhor. Ao sentar em uma mesa, ao levar um alimento à boca, os italianos consagram uma visão de mundo, um conceito existencial, uma ética de vida: a comida italiana se tornou universal por ser saborosa e é saborosa porque é feita com esmero, atenção aos pequenos detalhes, fruto de exaustivas experimentações, da complexidade à simplicidade, até resultar em algo possível de ser definido também em uma palavra: qualidade.
Durante breves três meses percorrendo algumas regiões do país, especialmente no interior, acredito ter compreendido um pouco não apenas da reverência italiana ao “comer bem”, mas também o que está subjacente ao modo de ser italiano: a preocupação, a dedicação permanente em procurar fazer o melhor e tirar de tudo o melhor.
Por isso, tudo, ou quase tudo, na Itália, tem sabor. Não estou falando dos maravilhosos pratos oferecidos em restaurantes familiares, onde o prazer da gula se manifesta em todo um esplendor de gostos e odores. Refiro-me inclusive ao alimento encontrado nos açougues, nas padarias, nas confeitarias, nas peixarias, nas cafeterias e, inclusive, aos produtos industrializados, aqueles disponíveis nas prateleiras dos supermercados.
Tudo, ou quase tudo, revela no sabor o cuidado no fazer, a atenção aos ingredientes utilizados, à forma de apresentação. Todos os detalhes são considerados. Mesmo um singelo biscoito assume as características de uma obra de arte. No caso, não apenas para ser olhada, mas principalmente para ser degustada.
Quando comprei um pacote de waffles, por menos de um euro, de uma marca escolhida aleatoriamente, caiu a ficha. As barrinhas eram feitas de uma massa crocante, com um recheio que desmanchava na boca. Aí me lembrei dos waffles que consumi no Brasil. Todos, até mesmo aqueles de empresas que asseguram seguir a tradição italiana, até no nome, simplesmente não tinham sabor.
Estou acostumado a comer ricotas, para cuidar do colesterol. É um drama engolir essas pastas esbranquiçadas com sabor de nada. Na Itália, estupefato, experimentei ricotas deliciosas. Assim como grissinis fantásticos, iogurtes deliciosos.
Atenção: nada de sabor artificial, conservantes, corantes ou coisas do gênero. Os italianos prezam muito a alimentação saudável. O país é o maior produtor de alimentos orgânicos da Europa.
Dito isso, acho ser razoável começar a entender porque a Itália tem a maior lista de produtos certificados com Denominação de Origem Garantida, Especialidade Tradicional Garantida e Indicação Geográfica Protegida ( os Dop, Igt, Docg) do mundo. São quase 200. Até o McDonald's se rendeu ao sabor italiano. Vai começar a fazer seus pratos apenas com produtos do país, com os sabores típicos.
Não se trata de ufanismo ítalo-descendente, portanto. Ou há alguma dúvida, por exemplo, sobre quem faz o melhor café do mundo, o melhor sorvete, o melhor queijo, a melhor pasta, o melhor presunto, o melhor molho, e assim por diante?
Proponho uma reflexão: o que isso tem a ver com o fato de o carro mais cobiçado do mundo ser italiano; com as peças de vestuário (roupas, sapatos, adereços como gravatas) mais desejadas serem italianas; com o quadro mais famoso do mundo ser de um italiano, com o fato de o design italiano em diferentes áreas ser referência mundial, para não se estender muito?
Arte. Simples assim, penso eu. Os italianos sempre buscam transformar o que fazem em uma obra de arte. Ou seja, a busca da perfeição. Para tanto, é preciso ter criatividade. Porém, acima de tudo, não abrir mão da qualidade. Indo um pouco além: como a imprimida pelos artistas consagrados, seja nas artes plásticas – como um Michelangelo – seja na composição óperas (Verdi), na interpretação de músicas líricas, aquelas que efetivamente exigem que a pessoa seja um exímio cantor (Pavarotti), seja na vanguarda do cinema (Fellini).
O italiano se distingue por não se contentar com o mero fazer, quer fazer o melhor. Superar-se. É um povo curioso, investigativo, instigante, inventivo, sempre em busca do algo a mais. Uma releitura da história da civilização ocidental demonstra isso de maneira inequívoca.
Portanto, o sabor é uma decorrência, acentuada pela importância e reverência atribuída à alimentação (todos já sabem que comer, para os italianos, é uma festa, uma cerimônia, um momento especial, de prazer). Farinha, carne, temperos, ingredientes enfim, tudo tem que ser de muita qualidade para gerar um produto igualmente de qualidade. Sem esquecer, é claro, o esmero, a qualidade em última análise, no preparo.
Passione, Il segreto.
Não sou um especialista em gastronomia para fazer um tratado sobre as delícias da culinária italiana. Nem é preciso. Basta lembrar não ser por acaso que o inglês Jamie Oliver, um dos mais famosos chefs da Grã-Bretanha, muito conhecido por seus livros e seus programas de televisão, tornou rentável o seu amor pela cozinha italiana. Sua rede de restaurantes, que só serve pratos típicos italianos, é um sucesso, se expande por toda a Inglaterra, vai tomar de assalto a Europa.
Não sou um chef, contudo adoro comer bem. Acho boa parte da vida se justifica pelos sabores. Assim, com água na boca, recordo de lugares. Desde os mais singelos, despretensiosos, como a Pizza Point, em Norcia, na Umbria. Um bar comum, que passa quase desapercebido. Oferece, entre outras coisas, pizzas em pedaços. Quer dizer, já estão prontas. Você olha no balcão, escolhe, e as simpáticas atendentes podem esquentar, se for o desejo do freguês. Resumindo, pizzas simplesmente excepcionais, saborosas: massa crocante, no meio do caminho entre fina e grossa, com coberturas inesquecíveis. O problema é parar de comer.
Agora, no Norte, por exemplo, você pode dar a sorte de conhecer o Ristorante Ai Portici, em Mogliano Veneto, próximo a Treviso. Meu Deus, que pizzas! Que calzones! Que risoto ao frutos do mar. Entendi perfeitamente o por quê do sloogan do estabelecimento: ristorante, pizza e peccati di gola.
Subindo na graduação, não posso deixar de exaltar o privilégio que tive de conhecer o Ristoranti Anton, em Recanati, região de Marche. Um casal de amigos teve a brilhante idéia de levar eu e a minha companheira para conhecer o lugar. Melhor: para sentir a plenitude do prazer em comer bem.
Algo simplesmente dos deuses. O local é especializado em frutos do mar, com um toque de requinte. Os antipasti, com tirar de salmão, entre outras iguarias, abrem o festim de forma impactante. Depois, acompanhado de uma salada marinada feita no céu, surge Il primo piatto: uma massa com funghi e sabores do mar; depois, um risoto, na mesma toada e, finalmente, uma fritada de várias espécies de peixes e crustáceos. Para tirar tais sabores da boca, uma pequena taça de uma bebida espumante, refrescante, com um leve gostinho de limão. Infelizmente, não bebo. Por isso, nem falo na carta de vinhos.
Mas também foi divino conhecer o que é capaz de fazer o casal proprietário do Ristorante Graziella, na pequena e encantadora Fiuminata, província de Macerata. A especialità da casa: tartufo. Isto é trufa, um fungo subterrâneo de sabor marcante. Foi um verdadeiro festival, começando com o antipasti, quando foram servidos pedaços de pão com cobertura de tartufo e uma espécie de omelete feito com a iguaria. Após, Il primo piato, pasta com tartufo. Em seguida, carnes. Para adoçar a boca, um tiramisù, uma das mais famosas sobremesas servidas no país.
Quase morri de tanto comer. À noite, passei mal. O exagero cobrou o seu preço. Fui obrigado à sair para a rua, caminhar, tomar um ar. Encontrei, em um jardim de uma casa, um pé de alecrim. Arranquei dois ou três galhos. Voltei para casa, fiz um chá – antes já tomara efervescentes. Foi o que amenizou. Mas, confesso: faria tudo novamente.
Nessa mesma linha, de restaurantes escondidos em pequenas cidades, não poderia deixar de falar no Ristorante Palmina,em Sefro, também comandado pelo casal proprietário. Ela, na cozinha; ele, servindo. Uma truta cruzada com salmão é uma das especialidades da casa. As pastas são temperadas com o sabor delas e mais alguns temperos. Olha, sinto muito, não é possível descrever. É preciso saborear.
E tudo é parte de um contexto maior: o extra-virgine é especial, do produtor para a mesa; o licor servido após as refeições é outra especialidade que o amável proprietário mantém o segredo da fórmula a sete chaves, os cremes servidos são cuidadosamente elaborados por sua esposa. Enfim, o paraíso.
Cada lugar, uma especialidade, uma característica, porém sempre um aspecto comum, um fio condutor: a qualidade, a dedicação voltada para fazer bem, com muito sabor.
Como o oferecido pela Osteria dei Fiori, em Macerata, na exuberância de um prato de polenta com molho de tomates e funghi; como no restaurante do Hotel Bela Vista, em Castelraiomondo, com suas inigualáveis olive alla ascolana; como na tratoria do Dino, em Siena, com um capeletti daqueles; como a Trattoria Chiribiri, em San Giminano, com um antipasti toscano irresistível; como inclusive, em San Severino March, na Samba Gelateria, da boliviana Sofia, que morou no Brasil, e faz doces com recheio de sorvete. Enfim...
Para concluirmos a listagem talvez só indo a uma cafeteria na Itália. Alí, as lembranças poderão ser melhor reavivadas enquanto se prova o verdadeiro sabor do café de em uma das tantas alternativas criadas pelos italianos: expresso, lungo o corto; machiato (com pouquíssimo leite); capuccino; correto (com um pouco de licor); freddo (com gelo); ristretto (menos água).
Será possível dar-se conta de que o pão italiano é feito com pouco sal. Não pesa. E que os doces de confeitaria são lindos, na aparência, mas não chamam a atenção quanto ao sabor. Isso prova que nem tudo é perfeito.
Fonte: Oriundi.net
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